A raiva é um sentimento que se manifesta em vários momentos de nossas vidas e, como todo sentimento, manifesta-se em todo o nosso ser, e não somente em partes isoladas.
Por ser um sentimento bastante forte, a raiva precisa fluir livremente. Quando ela não flui livremente, quando não sai de forma adequada, vai se acumulando e pode provocar sérias consequências.
A raiva acumulada pode se manifestar no corpo, tomando a forma, por exemplo, de crises de enxaqueca, dores no estômago, cansaço, taquicardia, gagueira, dentre outros.
A raiva acumulada pode levar a pessoa a cometer atos desagradáveis, tais como, por exemplo, agressões contra si e contra os outros, excesso de consumo de substâncias psicoativas (álcool, cigarro, drogas).
O acúmulo de raiva pode também se manifestar sob a forma de ansiedade, angústia, inquietação, nervosismo exacerbado, dentre outros.
É comum pensarmos que deixar a raiva fluir quer dizer agredir o outro física e psicologicamente. Não, muito pelo contrário, agredimos o outro quando a nossa raiva está acumulada, quando ela está presa dentro de nós corroendo nosso ser. Quando não deixamos a raiva fluir livremente, perdemos a oportunidade de conhecer nossos limites, então fica difícil controlar as próprias reações frente às adversidades.
Deixar a raiva fluir livremente quer dizer permitir-se sentir raiva; é reconhecer que está sentindo raiva; é sentir como é o sentimento raiva, e o que ele provoca; é dizer para o outro que está sentindo raiva dele — em determinadas situações, como no caso de desentendimentos amorosos, por exemplo —, mas que, por conhecer e reconhecer os próprios sentimentos, é capaz também de perdoá-lo.
Quando deixamos fluir a raiva, quando falamos de nossa raiva para o outro, não ser agressivos negativamente, pois estamos deixando nosso sentimento sair de forma pacífica, de forma esclarecida e sem máscaras. Por outro lado, quando mascaramos nossa raiva, quando mentimos para o outro e para nós mesmos sobre os nossos verdadeiros sentimentos, vamos acumulando tensão; vamos acumulando monstros dentro de nós; vamos acumulando ódio e desejos de vingança. Então nos transformamos numa caldeira em perigosa ebulição, e temos dificuldades para perdoar e para reconhecer aquilo que é do outro e aquilo que é nosso. Como muito bem disse Fritz Perls, “Qualquer raiva que não saia, que não flua livremente, se transformará em sadismo, instinto de poder, e outros meios de tortura.” (PERLS, 1977, p.109).
Quando não deixamos nossa raiva sair, o que fazemos é nos torturar; é torturar as pessoas ao nosso redor com nossa incapacidade de compreender e perdoar; é inutilmente corrermos atrás de coisas materiais para tentar sanar nossa fúria interior; é culpar os outros pelos nossos infortúnios; é perder tempo de nossas vidas fazendo coisas inúteis ao invés de vivermos de forma verdadeira.
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Essa não é uma boa forma de se livrar da raiva. |
Quando deixamos a raiva fluir livremente, tomamos consciência de nossos limites e, consequentemente, somos mais capazes de reconhecer quando devemos parar, para que então não avancemos mais do que podemos aguentar, evitando, assim, conflitos inúteis, desgastantes e perigosos.
Quando mentimos sobre nossa raiva, quando trancamos nossa raiva no pequeno espaço dentro de nosso ser, criamos dentro de nós mesmos uma energia destrutiva que força a saída; que se manifesta no nosso corpo; que não nos deixa dormir; que nos impede de conviver bem com as outras pessoas; que não nos deixa apreciar a vida e os bons momentos.
Mas não é fácil aprender a deixar a raiva fluir livremente, pois desde pequenos somos ensinados que devemos segurar firmemente nossa raiva, que ela é uma coisa ruim que não deve ser manifestada. Assim, não desenvolvemos habilidades para lidar de forma construtiva com esse sentimento, e nos atrapalhamos gravemente quando precisamos lidar com ele. Portanto, aprender a lidar com a raiva é um processo de contínuo aprendizado. É preciso que a pessoa permita a si mesma conhecer-se, para que chegue ao âmago das próprias dificuldades e potencialidades.
Quando a pessoa toma consciência de si mesma, de suas próprias questões, limites e capacidades, ela se torna autônoma, sendo capaz de dirigir a própria vida de forma mais plena. A raiva então é percebida não como um sentimento ruim e perigoso, mas como um sentimento que pode ser conhecido e expressado de forma construtiva, evitando assim desavenças negativas e situações que poderiam resultar em muitos prejuízos para si e para o outro.
Em psicoterapia a raiva é um sentimento que é bastante trabalhado. Trabalha-se com o cliente a sua tomada de consciência no que diz respeito às suas formas de expressão da raiva. Não é incomum a pessoa perceber que nunca se permitiu reconhecer que sentia raiva. A atitude mais comum parece ser esconder o sentimento, mas nunca esquecer a questão. Vive-se do passado; martiriza-se todos os dias por causa daquilo que passou; empenha-se em torturar o outro, mas não reconhece que sentiu e que está com raiva. A tortura termina quando a pessoa reconhece suas próprias fraquezas e potencialidades, e encontra seus limites. Ela então consegue viver mais plenamente, e consegue também deixar os outros ao seu redor viver em paz.
Referência:
- Perls, Frederick. Gestalt-terapia explicada. 2. ed., São Paulo: Summus, 1977.
- Ebook Conheça os seus sentimentos de Anderson Cristiano da Costa.
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